UM PAÍS QUE NÃO EXISTE MAIS

terça-feira, 18 de outubro de 2011

1964, notas sobre uma vitória simbólica, por Caio Navarro de Toledo *

O recente episódio suscitado por uma placa, afixada no centro do campus da USP, revelou que não deixa de ser vitorioso o significado político-ideológico que as esquerdas brasileiras difundem sobre os acontecimentos em torno de 1964. Essa interpretação não deixa de ser hegemônica na atual cultura política democrática brasileira.

Na última segunda-feira (3), o blog Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, estranhou o fato de uma placa na USP conter a seguinte inscrição: “Monumento em homenagem aos mortos e cassados na Revolução de 1964”. A indagação do jornalista foi simples e direta: “A USP homenageia as vítimas da 'Revolução de 1964'?" Imediatamente, outros blogs e parte da grande mídia (portais na internet e jornais impressos) também destacaram o fato da Reitoria da Universidade de São Paulo, por meio da placa, ratificar a versão que os militares e setores civis da direita brasileira procuram difundir sobre a intervenção militar ocorrida há 47 anos; qual seja, a versão segundo a qual em 1º. de abril de 1964 teria havido uma Revolução, não um Golpe Militar! [Ninguém desconhece que, para os ideólogos civis e militares (de Delfim Netto a Golbery do Couto e Silva), 1964 representou uma “Revolução redentora” que, de forma pacífica, salvou o país da subversão antidemocrática e do comunismo ateu, bem como lançou as bases para a emergência de uma sólida economia industrial no país. Em contrapartida, para a extensa maioria dos intérpretes (partidos e autores) da esquerda brasileira, 1964 significou um golpe civil-militar contra a democracia política e as propostas de reformas econômicas e sociais do capitalismo brasileiro.]
Divulgada a informação sobre a placa, a repulsa dos setores democráticos e progressistas não tardou. Por meio da internet, a comunidade universitária e os blogs progressistas denunciaram o estelionato semântico difundido pela placa que, reconheça-se – pelo seu conteúdo objetivo –, não deixava de revelar um fato altamente positivo: a construção de um monumento em homenagem às vítimas da repressão militar nos 25 anos de ditadura.
Menos de 36 horas após a denúncia feita no blog Viomundo, alguns jornais, nesta quarta-feira (5), informam que a placa foi retirada do campus da USP. Numa nota a reitoria da USP esclarece: “Houve um erro na inscrição da placa. O nome correto é: “Monumento em Homenagem aos Mortos e Cassados no Regime Militar”. Trata-se de um projeto do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. A correção da placa será feita o mais breve possível”.
Embora a Reitoria da USP recuse a utilização da expressão “Ditadura Militar” na nova placa, deve-se reconhecer que uma vitória no plano simbólico não deixou de ocorrer. Esta pequena vitória foi possível graças às iniciativas daqueles que – face o fascismo cotidiano existente nas democracias capitalistas – exercem o direito de protestar e não ceder ao arbítrio e à violência no plano simbólico.
Foi o que fizeram, por exemplo, três estudantes da USP. Como informa o blog Viomundo, um estudante, desafiando a segurança, riscou a expressão “Revolução de 1964” e escreveu na placa: “golpe”. Dias depois, uma estudante acrescentou a palavra certa: “Ditadura”. Horas depois, indignada, a mesma jovem voltou ao local e escreveu: “massacre”. Uma terceira estudante, blogueira, escreveu em sua página: “É um verdadeiro insulto a todos os estudantes e professores que foram perseguidos e mortos durante os anos de chumbo”. Se não fossem os estudantes, a placa insultuosa – aprovada pelos burocratas da Universidade –, certamente, ali permaneceria sob o olhar indiferente e despolitizado de muitos.
No entanto, alguns jovens não se calaram e se indignaram. São eles que, nos dias de hoje, reescrevem a consequente consigna vigente na luta contra o fascismo: "no pasarán!”.

*Caio Navarro de Toledo é professor colaborador voluntário da Unicamp e bolsita do CNPq

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