O PCB não se tornou o maior partido do Ocidente, nem mesmo do Brasil. Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele. Ou estará mentindo (Ferreira Gullar, durante os 60 anos do PCB).
(Dedicamos este trabalho aos intelectuais, artistas e escritores que deram o melhor de seus esforços à construção de uma cultura identificada com aquilo que o povo brasileiro tem de melhor, ou seja, a sua criatividade e alegria.)
Em 1922, a sociedade brasileira vivia uma extraordinária efervescência cultural e política, materializada pela fundação do Partido Comunista, pela inauguração da Semana de Arte Moderna, pelo Primeiro Congresso Feminista e, também, pela explosão da Revolta do Forte de Copacabana. Um ano de cortar o fôlego.I
O Partido Comunista — cuja trajetória nos interessa mais de perto aqui — surge então com uma dupla característica. De um lado, trata-se de uma agremiação política que se quer profundamente brasileira, com a proposta de se entranhar nas lutas sociais e nacionais. De outro, apresenta um perfil internacionalista, profundamente solidário dos povos em luta. Além disso, é um partido que ambiciona governar para os setores menos favorecidos da população, com a classe operária à frente. E tudo isso é muito novo, para os padrões do país e para a época. Se o Partido obteve ou não êxito em sua função, trata-se de outro problema.
De toda forma, com vocação para lutar pela democracia, conforme se verificaria com o correr do tempo, o Partido Comunista Brasileiro daria uma contribuição importante à vida nacional. Senão vejamos. Foi o primeiro agrupamento a defender, já em 1923, a implantação de uma reforma agrária entre nós (exigência essa que guarda ainda uma certa atualidade, ao menos no plano social). E foi também o primeiro a propor uma política relativamente ampla de alianças, conforme o atesta a formação do Bloco Operário Camponês (BOC, 1928) e da própria Aliança Nacional Libertadora (ANL, 1935). Isso, para não aludirmos à criação, em 1967, da Frente Ampla, uma tentativa de combater a ditadura militar. Mais: a partir da chamada “Declaração de Março de 1958”, o PCB elege a democracia como o espaço para a superação da ordem vigente no Brasil. Foi com essa firme determinação que a maioria do Partido optou por derrotar politicamente — e não derrubar pela força das armas — a ditadura político-militar instalada no país desde 1º. de abril de 1964. Não deu outra, a História daria razão aos comunistas, apesar de o partido ter cometido alguns equívocos sérios no decorrer de sua história.
Um dos herdeiros da tradição pecebista, no que ela possuía de positivo e também de negativo, o Partido Popular Socialista (PPS) dá continuidade histórica a algumas das propostas do PCB. Mas, de certa forma, sua entrada na cena brasileira também representa uma ruptura com determinadas práticas e mesmo concepções desse Partido. Pois o PPS compreendeu que a sociedade brasileira é plural, complexa, e que no caminho político nacional não há espaço para um modelo autoritário de partido único. E tampouco para exclusões de qualquer natureza. Nesse sentido, o Partido se quer continuidade, mas também mudança. Talvez até mais mudança do que continuidade, no entender de alguns.
A cultura sempre aproximou o PCB-PPS da população brasileira. Nos tempos mais agudos da clandestinidade, ela chegou a ser, praticamente, a única forma de o Partido estabelecer um vínculo permanente com a sociedade organizada. Os comunistas não estão muito longe de ter uma concepção de cultura como uma espécie de estar no mundo, uma relação social entre indivíduos. Para os comunistas, a cultura é uma ferramenta de transformação do mundo real. E o homem, ator da sua própria história. Isso, em teoria. Mas a prática pecebista não apresenta nenhum corte entre o mundo real e a visão que se tem desse mesmo mundo. Prática e teoria como que se fundiram, nesse caso. A cultura une.
Como explicar o engajamento político dos intelectuais e artistas brasileiros no Partido Comunista? Provavelmente não existe resposta única a essa pergunta. Certamente há por parte dos intelectuais uma postura generosa diante das mazelas sociais que afligem o país e um desejo de superá-las. Não há como negar tampouco que alguns deles enxergavam no socialismo uma possibilidade de realizar suas expectativas de trabalho, seus anseios profissionais, pelo menos de forma mais efetiva (apesar de, como observou o cientista político Paulo César Nascimento, muitos desses intelectuais e artistas já serem homens consagrados quando se aproximaram do PCB). Outros intelectuais e artistas, ainda, se sentiam atraídos pela possibilidade de contribuir para a formação da identidade brasileira. Ou talvez tudo isso junto, quem sabe.
E convém salientar que os intelectuais — considerados por Antonio Gramsci como uma categoria cujo peso político ganhava autonomia em relação até mesmo às divisões de classes verificadas na sociedade burguesa — dificilmente se deixariam conduzir de forma subalterna pela direção partidária. Eis o que contribuiu, historicamente, para arejar o Partido, uma organização extremamente centralizada em alguns momentos de sua trajetória política. Nesse sentido, é interessante observar que a política cultural do Partido extrapola o próprio âmbito do Partido, ou seja, nada tinha de estreita, voltada para dentro. Em alguns momentos, é verdade, houve atritos sérios com a intelectualidade nacional, mas o Partido compreenderia que era preciso respeitar a liberdade de criação dos artistas e intelectuais, sobretudo após os ventos libertários trazidos pela “Declaração de Março de 1958”, na esteira do desmoronamento do sistema stalinista. Assim, sua proposta cultural interpela, quase sempre, amplos setores da sociedade. A política cultural era encarada, ao menos em certos períodos da trajetória partidária, como uma política voltada para a sociedade e não para dentro do próprio Partido. E mais: era preparada ou estabelecida, sobretudo a partir de 1958, é sempre bom lembrar, pelos próprios criadores de cultura. Só assim o PCB (e, agora, o PPS, de certa maneira) pôde começar a se fazer necessário na cena cultural brasileira. O Partido nunca se apoderou da máquina do Estado, ou esteve no Poder, é bem verdade; mas talvez tenha construído algo melhor. Vale dizer, uma sólida relação com a chamada sociedade civil, que ele buscava oxigenar com suas ideias e proposições.
Não seria muito complicado para o PCB estabelecer pontes entre a cultura elaborada pelos intelectuais e a prática política popular. Por uma razão: o Partido soube compreender, talvez instintivamente, que a síntese era a principal característica da cultura brasileira. Soube mover-se nesse ambiente.
Não há exagero em afirmar que o Partido contribuiu para estruturar a cultura brasileira contemporânea, por intermédio de instrumentos como jornais, revistas, livros e grupos de teatro e cinema. Uma parte da identidade cultural brasileira (isto é, aquilo que a caracteriza e diferencia das demais práticas culturais) ao longo do século XX é forjada aí, pelos setores mais criativos da militância partidária. Eis o que talvez explique a presença de nomes tão ilustres da intelectualidade e da criação artística brasileira no PCB-PPS. Essa ligação com a intelectualidade era tão próxima que a crise do PCB significou também, em certa medida, a crise da própria cultura brasileira. Parafraseando o poeta, é impossível escrever a história da nossa cultura sem falar no PCB — sob muitos aspectos, uma espécie de partido da inteligência brasileira.
Vamos ver rapidamente o que entendemos por cultura. O termo cultura possui uma longa história — tão longa quanto a história dos homens, nunca é demais lembrar. Ligado inicialmente à ideia de cultivo — o que nos remete a algo naturalmente prático —, o termo cultura passou a designar, genericamente, as atividades relacionadas às coisas do espírito. Hoje o termo tende a sofrer uma nova mutação, refletindo um certo estar no mundo. Essa noção tem a vantagem de unificar aquilo que é prático ao que é também reflexivo e, mesmo, lúdico. A rigor, esse sempre foi o papel da cultura. O diferencial que pode emergir hoje é a autonomia crescente do fato cultural, impondo-se diretamente sem instituições intermediárias ou matrizes tradicionais, como as igrejas e o próprio Estado.II
Enquanto conjunto de representações imaginárias e sensitivas da população, a cultura é, na verdade, uma forma de estar no mundo. Ou seja, um elemento gerador de identidades. Uma criação coletiva, a qual pressupõe um objeto e um sujeito (sem que haja dominação e, sim, interação entre eles). Por isso, ela não pode ser reduzida à simples dimensão de um produto. Algo para a venda. Pois ela vai muito além disso — a cultura, pode-se dizer, estrutura nossas personalidades. Ela é depositária das nossas memórias. Das nossas recordações de infância. Dos ritmos, cores e cheiros da nossa vida. Dos nossos gostos, paladares, sonhos, tatos, devaneios, danças. Dos nossos olhares e dos nossos pesares. A cultura é tudo isso e muito mais. Ou seja, ela forja cidadãos — os mais completos possíveis. Cidadãos que se valem da sua principal arma: os cinco sentidos que humanizam o homem.
O Brasil se apresenta hoje como um dos países mais importantes do mundo, tanto em extensão territorial quanto em densidade populacional ou presença industrial. Mais: ao longo do século XX, o Brasil se configurou como um dos países mais criativos nos marcos da chamada cultura ocidental. Da arquitetura de Brasília ao Cinema Novo, da música de Villa-Lobos à Bossa Nova e à MPB, da Semana de Arte Moderna de 1922 ao Teatro do Oprimido e deste às manifestações esportivas mais diversas, a cultura brasileira tomou parte ativa na construção do mundo moderno. Intelectuais, artistas, escritores e desportistas do porte de Oscar Niemeyer, Josué de Castro, Celso Furtado, Graciliano Ramos, Pelé, Jorge Amado, Guerra Peixe, Humberto Mauro, Milton Santos, Ferreira Gullar, Darcy Ribeiro, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e tantos outros são admirados em vários pontos do mundo.
Nesse sentido, a trajetória cultural brasileira nos parece tão vigorosa quanto aquela da Espanha republicana, a Espanha de Garcia Lorca, Rafael Alberti, Luis Buñuel, Antonio Machado, Pablo Casals e Pablo Picasso. Ou aquela da Rússia, com Vladimir Maiakovski, Sierguei Eisenstein, Dziga Vertov, Marc Chagall, Malevitch, Maximo Gorki, Kandinsky e muitos outros. Ou ainda da própria Itália, com Antonio Gramsci, Norberto Bobbio, Italo Calvino, Vittorio de Sica e a turma do neorrealismo, Umberto Eco. Isso, para não aludirmos à verdadeira explosão de criatividade manifestada pela cultura judaica na Europa Central, revelando ao mundo nomes como Franz Kafka, S. Freud, G. Lukács, Walter Benjamin e W. Reich — todos homens de expressão alemã.
Sem medo de errar, diríamos que Brasil, Espanha, Itália, Rússia e Europa Central foram os grandes centros irradiadores da modernidade neste século XX. E, não por acaso, essas áreas enfrentaram a fúria do autoritarismo, tiveram seus destinos marcados pela truculência política. Mas não se dobraram. A cultura, no fundo, é o outro nome da liberdade.
A cultura tem um papel de destaque na luta mais geral pela reconstrução do Brasil, sobretudo na era da sociedade do conhecimento e das chamadas indústrias criativas. A extensão dos nossos problemas é realmente preocupante, tamanha a velocidade do desmoronamento da esfera pública no Brasil. Há uma verdadeira esquizofrenia social entre nós. Os números e indicativos econômicos são alvissareiros, alardeia uma certa imprensa — mas a tensão social só faz aumentar, a verdade é essa. Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no país. O fosso entre aqueles que muito possuem e aqueles que praticamente nada possuem só faz crescer e o mesmo acontece com a desesperança no coração das pessoas. Impressiona o número de jovens desempregados e a falta de perspectivas de muitos deles: dados oficiais admitem que metade dos jovens entre 18 e 24 anos não encontra trabalho. O cinismo de determinados governantes, a decadência que toma conta das nossas ruas, tudo isso assusta o povo brasileiro. O Estado vai para um lado e a sociedade para outro, em uma valsa do desencontro. A cultura talvez possa estabelecer determinadas pontes.
Nós nos arriscaríamos até a dizer que houve um tempo em que se discutia a questão agrária, a questão do voto eleitoral para este ou aquele setor da sociedade, debatia-se até mesmo a questão das relações raciais — tudo sob a ótica da chamada questão nacional. Classificar uma questão como nacional era, a rigor, uma maneira de salientar sua importância para o momento presente. Sua dimensão estrutural, digamos. Outro não era o sentido das reformas de base no Governo Jango, às vésperas do Golpe de 64. Hoje, com a ampliação do desgaste das instituições e das funções do Estado e o acúmulo de problemas em todos os setores da vida do país, nós quase ousaríamos dizer que o Brasil é, por si só, uma questão nacional... brasileira. No sentido de que o país todo precisa urgentemente ser questionado por cada um de nós, em suas múltiplas práticas.
No Brasil, podemos afirmar que a cultura se antecipa à própria formação do Estado Nacional. Assim, há um sentimento de brasilidade que permeia a obra de artistas e criadores como Tomás Antônio Gonzaga, Padre José Maurício, Aleijadinho e Manoel Victor de Jesus, bem antes de a Independência ser declarada, em 1822. A poesia, a música, a pintura, a escultura são tocadas pelo sentimento independentista, libertário (até hoje a paisagem cultural de Minas Gerais nos fascina por isso).III
Contrariamente ao que alguns afirmam, podemos observar que a cultura brasileira está assentada em bases antigas. Os mitos indígenas, os orixás africanos, a língua portuguesa possuem centenas, se não milhares de anos de existência. E todos nós reconhecemos nesses símbolos algumas das referências culturais mais marcantes do homem brasileiro. Iemanjá nos é tão familiar quanto a palavra saudade ou a dança do cateretê. E o que é ainda mais impressionante: em qualquer ponto do país, qualquer brasileiro reconhece ou se identifica com essas manifestações.
Se as nossas raízes são antigas, a síntese cultural — isto é, os seus galhos — é que é propriamente nova, um fato de novo tipo. O Brasil, foi, provavelmente, o primeiro país a moderno operar uma síntese desse porte, unificando culturas dos mais diferentes horizontes.
E esse pioneirismo, como todo pioneirismo que se preza, desnorteia. O que somos nós, concretamente? — eis uma pergunta nem sempre muito simples de responder. Uma nova Roma, como queria o antropólogo Darcy Ribeiro? Uma extensão do Ocidente, como postulavam alguns autores do Século XIX? Talvez tudo isso reunido. Um país onde todos os continentes se encontram, como todas as nuvens se cruzam no céu. Daí, talvez, o fascínio que a cultura brasileira exerce no mundo. Fomos — e somos — um verdadeiro laboratório da globalização. A história da nossa cultura é a história da nossa adequação a esse novo ambiente. E iremos continuar assim, ao que tudo indica.
Uma cultura das quatro sínteses, a nossa: entre a teoria e a prática; o erudito e o popular; o tradicional e o moderno e, finalmente, uma cultura que promove a fusão entre sensibilidades de diversos horizontes étnicos e geográficos.
Não seria tão difícil assim, compreendendo isso, que o PCB-PPS, em muitos momentos de sua trajetória, se fundisse com essa cultura.
Esquematicamente, eis o que foi possível apurar em nossos apontamentos, que visam apenas mapear a atuação do PCB-PPS na área da realização cultural:IV
* 1922-1927 — O PCB — nunca é demais lembrar — foi fundado no mesmo ano da Semana de Arte Moderna. Alguns modernistas se aproximariam ou mesmo adeririam ao partido, como a pintora Tarsila do Amaral e o pintor Di Cavalcanti — o idealizador da Semana —, e os escritores Oswald de Andrade e Pagu, um pouco mais adiante. Fora isso, o PCB tem na sua secretaria geral um intelectual autodidata que se destacaria mais adiante como especialista da obra do escritor Machado de Assis: o gráfico, linotipista e jornalista Astrojildo Pereira. Alguém que ousaria escrever, de Moscou, em 1925, que “a democracia, ainda que burguesa, é vista como um bem pelas massas...”.
Fervoroso defensor da Revolução Russa de 1917, o escritor Lima Barreto, prematuramente falecido em 1923, é um dos intelectuais que simpatizam então com as posições políticas dos comunistas brasileiros. O jornalista Domingos Ribeiro Filho, amigo pessoal de Astrojildo Pereira, foi outro. E o mesmo diríamos de Everardo Dias, que adere ao partido em 1923, tendo amargado inúmeras prisões.
Em seu esforço para entender a realidade brasileira, o Partido Comunista lança algumas publicações, como Movimento Comunista (1922) e A Classe Operária (1925).
Em 1923, Otávio Brandão, intelectual comunista alagoano, também autodidata, publica a obra Agrarismo x Industrialismo, primeiro ensaio a reivindicar a necessidade de uma reforma agrária no Brasil, afirmando o caráter feudal da colonização do país. Enquanto expressão de um processo — lento, mas inexorável — de industrialização em marcha no país, o PCB passa a ter nos setores mais politizados das camadas médias urbanas, potencialmente ao menos, um poderoso aliado. Já era uma clara demonstração da complexidade da estrutura de classes do país, já àquela época.
* 1927-1930 — Período marcado pela formação do Bloco Operário, posteriormente Bloco Operário e Camponês (BOC), a primeira frente única eleitoral do PCB. Entre outras reivindicações de caráter político e social, o BOC luta pela criação de bibliotecas públicas no país. Nessa fase, o PCB se aproxima um pouco mais das camadas médias, representadas de certa forma pelo capitão insurreto Luiz Carlos Prestes e outros membros militares da chamada Coluna Invicta. Tanto que, em 1929, é criado o setor militar do Partido, com a adesão de Agliberto Vieira de Azevedo e outros membros das Forças Armadas, como Almir Neves. Esse setor, evidentemente, opera na mais estrita clandestinidade.
Carlos Marighella, então estudante de engenharia na Bahia, adere ao Partido por essa época (1929, exatamente). Leôncio Basbaum é outro importante quadro intelectual formado pelo PCB nos anos que antecedem a chamada Revolução de 30. Foi o fundador da Juventude Comunista, em 1925, e futuro autor de obras de peso, como História sincera da República. Nessa fase ainda, cumpriu importante papel o jornal A Nação, dirigido pelo professor Leônidas Resende. O jornal não era o porta-voz oficial do Partido, mas o professor Leônidas Resende o colocou à disposição dos comunistas.
* 1930-1933 — O triunfo das teses obreiristas, isto é, sectárias, pautadas apenas pela inserção no mundo proletário, afasta do PCB os setores médios da sociedade. Intelectuais e formuladores políticos como Astrojildo Pereira (gráfico e jornalista, como já mencionado), Cristiano Cordeiro (funcionário público) e Heitor Ferreira Lima (alfaiate) são alijados do Partido. Eles se reintegrariam muitos anos depois somente. Outros — como Alberto Passos Guimarães, que aderira à organização em 1931 — logram permanecer no PCB. Ainda nesse período, o Partido afasta de suas fileiras militantes intelectuais e artistas que posteriormente se identificariam plenamente com o movimento trotsquista, entre os quais poderíamos citar o crítico Mário Pedrosa, a escritora Rachel de Queiroz e o gravurista Lívio Abramo. Esses afastamentos certamente dificultam a plena compreensão, pelo PCB, da nova realidade formada a partir dos episódios de outubro de 1930. Vale dizer, o Partido perde a capacidade de intervir na nova realidade formada pela chegada de Getúlio Vargas ao poder. E o fato concreto é que o PCB se isolaria tremendamente nessa fase, apresentando, talvez pela primeira vez, um rosto político sectário.
* 1933-1935 — A ascensão do nazifascismo faz com que o PCB adote uma política de alianças mais efetiva, materializada na Aliança Nacional Libertadora (ANL). Nessa quadra da vida política nacional, figuras representativas do mundo da cultura como o historiador Caio Prado Júnior, o jornalista Aparício Torelly (o Barão de Itararé) e os conceituados médicos Valério Konder e Manoel Venâncio Campos da Paz se aproximam do Partido. Há indícios de que o compositor Noel Rosa simpatizaria com as teses do PCB, recebendo publicações do Partido, como o jornal A Classe Operária, pelas mãos de um dentista comunista do bairro carioca de Vila Isabel. Em Belo Horizonte, há notícias da formação de um centro cultural, inspirado pelos comunistas, já em 1934. Em tempo: Caio Prado Júnior seria, por sinal, o redator do programa da ANL, com menos de 30 anos de idade. Fora isso, a ANL apoia, com firmeza, a organização das mulheres. Jovens intelectuais, como a psiquiatra Nise da Silveira e Maria Werneck, são detidas após o levante de novembro de 1935. Elas ficariam presas na mesma cela de Olga Benário Prestes, posteriormente deportada por Getúlio Vargas para a Alemanha nazista. Incentivada pelo PCB, a ANL terá talvez se configurado como o primeiro partido político de massas da História do Brasil, conforme lembrou em conversas com o Autor o veterano revolucionário Severino Teodoro de Mello.
* 1935-1942 — O envolvimento do PCB com o levante armado da Aliança Nacional Libertadora de novembro de 1935 contribui para isolar e muito o Partido das massas. Uma grande repressão se abateria então sobre os comunistas. Intelectuais, escritores e artistas como Graciliano Ramos, Emílio Carrera Guerra, Ivan Pedro de Martins, Mário Lago e Dionélio Machado são presos. O estado da Bahia foi, por esse período, um dos únicos a preservar intactos os contatos com a intelectualidade progressista, por intermédio da revista Seiva, fundada em 1938 e dirigida por João Falcão, então um jovem comunista. Outro jovem revolucionário à época, Armênio Guedes, egresso da Faculdade de Direito de Salvador, também participa ativamente da publicação, assim como Jorge Amado, Edison Carneiro, Walter Silveira, Jacob Gorender e Dias da Costa (este último, irmão de futuro dramaturgo Dias Gomes). E o mesmo podemos dizer de Eduardo Maffei, paulista, Paulo Cavalcante, pernambucano, Ledo Ivo, alagoano, Rubem Braga, capixaba, Joel Silveira, sergipano, Carlos Drummond de Andrade, mineiro — todos muito jovens à época. A relativa liberdade de expressão existente na Bahia se explica pelo fato de a rebelião aliancista não ter atingido o estado, a repressão se concentrando no Rio de Janeiro, Recife e Natal, praticamente. Isto é, áreas onde ocorreram embates armados.
Com as mudanças ocorridas no cenário externo — o Brasil começa a se unir contra as forças do Eixo —, os comunistas voltam a se inserir nas lutas nacionais. Os estudantes, em particular, conseguem se manifestar pela retomada das liberdades democráticas, incluindo aí a liberdade de expressão cultural. Nascia, praticamente, a União Nacional dos Estudantes, onde comunistas como o futuro médico Irun Sant’Anna marcavam forte presença.
* 1942-1947 — O PCB vai ganhando prestígio junto às forças da cultura, no bojo da luta antifascista e pela anistia política. Naturalmente, a resistência que a União Soviética impõe às forças nazistas também influencia a intelectualidade. Oscar Niemeyer, por exemplo, se aproxima do Partido já em 1942, assim como Marcos Jaimovitch, seu principal contato com o PCB. O poeta sul-mato-grossense Manoel de Barros adere à Juventude Comunista, ainda que dela se afastasse pouco tempo depois, desiludido com o que considerava apoio de Luiz Carlos Prestes a Getúlio Vargas. Por essa mesma fase, Jorge Amado escreve o seu Cavaleiro da Esperança, na casa de Ernesto Sábato, nos arredores de Buenos Aires, relato romanceado da vida de Luiz Carlos Prestes, então na prisão. O livro é lançado em 1944.
Rompendo cada vez mais com o seu isolamento, o Partido marca forte presença no Congresso dos Escritores, presidido pelo comunista Aníbal Machado. Há comunistas entre os redatores da resolução do Congresso, a começar por Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior. Os congressistas exigem uma ampla campanha de alfabetização no Brasil. Surgem ou ressurgem a União Nacional de Estudantes (UNE) e a Associação Brasileira de Escritores, entidades apoiadas pelos comunistas. Astrojildo Pereira é uma das grandes referências da intelectualidade nesse período.
Muitos representantes da área cultural filiam-se oficialmente ao PCB na redemocratização de 1945, quando o prestígio da União Soviética se encontra no auge. Cândido Portinari lança-se, inclusive, candidato ao Senado pelo Partido, perdendo por ínfima margem de votos, em pleito muito questionado. Mas um nome da estatura de Jorge Amado é eleito deputado federal. Mário Schönberg (que aderira ao Partido já na década de 30), Graciliano Ramos, Arnaldo Estrela, Quirino Campofiorito, Oduvaldo Viana, Elias Chaves Neto, Mário Gruber, Vasco Prado, Guerra Peixe, Aníbal Machado, Bruno Giorgi, Antonieta Campos da Campos, Abelardo da Hora, José Pancetti, Eugênia e Álvaro Moreyra, Moisés Vinhas, Rui Santos, Dalcídio Jurandir, Orígenes Lessa, Darcy Ribeiro, Dionélio Machado, Pedro Mota Lima, Procópio Ferreira, Mário Lago, João Saldanha, Aline Paim, Marco Antônio Coelho e Nelson Pereira dos Santos (os dois últimos jovens estudantes ainda) e outros nomes expressivos (ou que se tornariam expressivos) da cultura nacional assumem oficialmente sua condição de comunistas. Agora podem fazê-lo plenamente.
O poeta Carlos Drummond de Andrade chega a dirigir um jornal do Partido no Rio de Janeiro, o mesmo ocorrendo com Jorge Amado, em São Paulo. Drummond, inclusive, chegara a entrevistar Prestes na cadeia. Aliás, fiel ao preceito leninista de que o jornal ajudava a organizar as massas populares, o PCB monta uma verdadeira escola jornalística no país, da Tribuna Popular do Rio de Janeiro ao Hoje, de São Paulo; de O Momento, de Salvador, à Tribuna Gaúcha, de Porto Alegre; da Folha do Povo, do Recife, ao Jornal do Povo, de João Pessoa. Heloísa Ramos, militante das mais atuantes, esposa de Graciliano Ramos, trabalhava no jornal Momento Feminino, dirigido pela jornalista Arcelina Mochel. No ano de 1946, circula a revista quinzenal Divulgação Marxista. Em algumas capitais, o PCB organiza os chamados Comitês Culturais, para apoiar as atividades artísticas progressistas. O Partido tem, então, uma concepção dos fatos culturais mais calcada no realismo socialista, em uma visão demasiadamente curta dos fatos culturais, visão esta diretamente influenciada pela experiência stalinista, diga-se de passagem. Mas esse quadro se confrontaria em breve com a realidade, sempre plural e dinâmica.
No Rio de Janeiro, reduto do samba, compositores populares como Paulo da Portela, Ataulfo Alves e Silas de Oliveira mantêm ligações com o PCB. A própria União Geral das Escolas de Samba (UGES) era muito próxima do PCB, a ponto de ser chamada também de União Geral das Escolas Soviéticas, conforme constatou o crítico e jornalista Sérgio Cabral... O hino da campanha de Luiz Carlos Prestes ao Senado foi composto por ninguém menos do que Dorival Caymmi. Um nome respeitado como Monteiro Lobato fazia campanha para Luiz Carlos Prestes, votando nos candidatos comunistas e publicando o folheto Zé do Brasil, que põe em cena um camponês e o próprio Prestes. A área musical contribuiria ainda com o cantor Jararaca, nascido em Alagoas, e a jornalista e crítica Eneida, oriunda do Pará.
Além disso, a Editorial Vitória cumpre importante função ao divulgar os clássicos do marxismo no Brasil. Astrojildo Pereira é um dos responsáveis pela linha da editora. E nunca é demais recordar a importância que os livros adquirem na conscientização dos simpatizantes e militantes comunistas. E o PCB consegue montar ainda uma produtora de cinema, a Liberdade Filmes, bem modesta, é verdade. Mais, até: Alinor Azevedo, um dos criadores da Atlântida, era membro do PCB. Atraídos pela resistência heroica da União Soviética ao chamado Eixo nazifascista, muitos intelectuais e artistas de origem ou formação judaica aderem então ao Partido Comunista. Entre eles poderíamos alinhar Carlos Scliar, que participara da Segunda Guerra Mundial na campanha da Itália. Mesmo atletas como Leônidas da Silva, o Diamante Negro, aderem ao PCB (da mesma forma que o craque Didi, mais tarde). O pugilista Waldemar Zumbano, tio do futuro campeão mundial Éder Jofre, ingressaria igualmente no Partido, onde militaria por décadas a fio. Dir-se-ia que esses foram os primeiros anos dourados do PCB.
* 1947-1954 — A ida do PCB para a ilegalidade e as próprias posições extremadas adotadas então pelo Partido (sobretudo após o “Manifesto de Agosto”, que propõe a luta armada) contribuem para afastar os comunistas do movimento de massas em geral e dos setores culturais em particular. Trata-se de um dos períodos mais difíceis do ponto de vista da relação do PCB com os criadores culturais. Curiosamente, é por essa época que um jovem intelectual carioca radicado em São Paulo, Fernando Henrique Cardoso, ingressa no PCB. Mas é nessa fase que intelectuais da importância de Paulo Mercadante, por exemplo, deixam o Partido. Para acentuar ainda mais as contradições do momento político, o PCB mantém boa parte de sua imprensa na legalidade, o que contribui para divulgar suas ideias, inclusive aquelas mais voltadas para a atividade intelectual ou artística. Mais: os jornais do PCB têm então boa penetração popular, sobretudo nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Ceará. São relativamente bem aceitas as revistas teóricas e culturais Fundamentos (dirigida por Elias Chaves Neto), Literatura (com Manuel Bandeira e Arthur Ramos no conselho editorial) e Horizonte (editada na capital gaúcha). Escritores como José Lins do Rego e Álvaro Moreyra trabalham em órgãos orientados pelo Partido. Pertence ao PCB a compositora de concerto Eunice Catunda, que organiza corais populares, sobretudo em São Paulo, atraindo muitos jovens.
Outra atividade importante dos comunistas nesse momento é a criação de cineclubes em várias partes do Brasil, notadamente em Salvador, com Walter da Silveira à frente. Nas artes plásticas, fato notável foi a participação dos comunistas na organização, em 1951, da I Bienal de Artes Plásticas do Brasil, realizada em São Paulo, pelo comunista Luiz Saia, seu primeiro presidente. Clubes de gravura proliferaram, ainda, em vários pontos do país, como no Rio Grande do Sul, sobretudo.
E convém destacar ainda, nessa fase, como fato extremamente significativo, a atuação dos militantes intelectuais negros do PCB na organização do Congresso do Negro Brasileiro, realizado em 1950. É o caso, por exemplo, do antropólogo Edison Carneiro e do poeta Solano Trindade. Aqui, interessa recordar que, em 1930, o Partido lançara como candidato à presidência da República o operário marmorista Minervino de Oliveira, o primeiro vereador — naquela época se dizia intendente — negro da então capital da República, o Rio de Janeiro. E que, em 1945, o Partido elegeria o primeiro negro da Constituinte, Claudino José da Silva, ferroviário que ingressara no PCB ainda em 1928.
Mas esse período, grosso modo, é marcado pelas posições sectárias assumidas pelo Partido Comunista, que avalia o segundo Governo Vargas — equivocadamente, como se veria mais tarde, no bojo dos dramáticos acontecimentos que conduziriam ao suicídio do presidente da República — como pró-imperialista e fascista. Essa postura radical acaba contaminando igualmente a própria esfera cultural do Partido, que assume um viés muitas vezes excludente, sobretudo em relação àqueles intelectuais e artistas que manifestavam alguma divergência com o marxismo ou a versão oficial que o PCB tinha dele.
E é a época, também, em que o PCB cria uma espécie de escola de quadros, o famoso Curso Stalin. Dirigidos por Marco Antonio Coelho, que integra o PCB desde o início da década de 40, os cursos de formação contribuirão, apesar de suas limitações, para formar centenas de militantes, familiarizando-os com a filosofia, a literatura e a política.
* 1954-1958 – Importantes greves operárias verificadas no início da década de 50, e que pipocaram entre as operárias têxteis do estado do Pará, atuam no sentido de fazer com que o Partido comece um processo de ruptura com as posições estreitas que vinha assumindo desde 1948, reaproximando-o assim da população pelas mãos do movimento sindical. Deve-se observar, também, que a crise política interna adquiriria novas e dramáticas proporções com a denúncia do chamado culto à personalidade, que atinge a figura quase sagrada de Josef Stalin, todo-poderoso secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Desiludidos, alguns intelectuais de peso deixam o Partido, como Jorge Amado e Antonio Paim. Um número considerável de jornalistas (entre eles se alinharia Moacyr Werneck de Castro), lotados na imprensa partidária, também rompe com o PCB nessa ocasião. O Partido é praticamente salvo do isolamento completo e de uma crise interna mais profunda ainda pelos novos ventos que sopram na vida do país, como que materializados pelo Governo JK, democrático e desenvolvimentista.
* 1958-1964 — Buscando superar a grave crise interna que o sacudia, o PCB elabora a chamada “Declaração de Março”, que privilegia o caminho da democracia para a solução dos problemas nacionais e a superação do próprio capitalismo. Com isso, a intelectualidade volta a se aproximar do Partido, sentindo que este se arejava novamente.
Surgem daqui e dali inúmeras manifestações de ordem cultural. A revista Para Todos, fundada em 1956 pelos comunistas, influencia parcelas consideráveis da intelectualidade. E o mesmo se pode dizer do semanário Novos Rumos, que chega a vender mais de 50 mil exemplares, em um país então com cerca de 50 milhões de habitantes. Os dois principais responsáveis por Novos Rumos, os jornalistas e dirigentes partidários Mário Alves e Orlando Bonfim, seriam assassinados pela ditadura poucos anos após o empastelamento do jornal. Luiz Mário Gazzaneo, Josué Almeida, Almir Matos e Maria da Graça Dutra participam ativamente de Novos Rumos. Jornalistas e militantes como Sérgio Cabral e Ivan Alves também dão sua colaboração ao jornal em diversos níveis, indicando textos ou revisando algumas matérias ou ainda organizando finanças para a sua manutenção. A revista teórica do Partido, Estudos Sociais, dirigida por Astrojildo Pereira e Armênio Guedes, exerce uma certa influência sobre os estudiosos e parcelas da Academia. Nelson Werneck Sodré, Fausto Cupertino, Jacob Gorender e Jorge Miglioli integram a revista, que publica dezenas de artigos de peso até 1964, inclusive de intelectuais não comunistas e de enorme prestígio entre seus pares, como Josué de Castro e Hermínio Linhares.
Dirigentes, militantes e intelectuais do PCB se debruçam então sobre a questão agrária, como Alberto Passos Guimarães, autor do clássico Quatro séculos de latifúndio, Caio Prado Júnior, Carlos Marighella e Fragmon Carlos Borges. Entre os cientistas sociais começam a despontar nas fileiras partidárias Joel Rufino dos Santos, Ruth Cardoso, Dirceu Lindoso, Décio Freitas, Antonio Carlos Peixoto, Amaro Quincas, Clóvis Moura e Rui Facó.
Surge o Cinema Novo, com decisiva participação de realizadores ligados ao PCB, como Nelson Pereira dos Santos (que dera partida no movimento, com o clássico Rio 40 graus), Roberto Santos e Leon Hirzsman. Fora isso, o livro intitulado Introdução ao cinema brasileiro, publicado em 1959 pelo crítico e cineasta comunista Alex Viany, marca toda uma geração de criadores. Alex Viany seria o coautor, juntamente com Glauber Rocha, do célebre texto-manifesto “Estética da Fome”, que opera um primeiro balanço do Cinema Novo, já em 1965.
Na literatura de ficção, os nomes cobrem o país todo, a rigor: do goiano Bernardo Éllis ao paraense Abguar Bastos e deste ao maranhense José Louzeiro, que se iniciava então nas letras e já exercia o jornalismo. Ainda nos anos 60, escritores jovens como Ciro Martins e Sérgio Faraco aproximam-se do PCB. José Paulo Paes, tradutor e poeta, intelectual e autodidata, também atua no Partido.
No teatro, a presença do PCB também se faz sentir e autores consagrados como Dias Gomes (O pagador de promessas) e Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam black-tie) pertencem às suas fileiras. A ação de Flávio Rangel, Zbigniew Ziembinsky e João das Neves também leva a marca de suas militâncias no PCB. Entre os críticos, destaca-se Fernando Peixoto. E, entre os atores e atrizes, poderíamos citar Paulo José, Glauce Rocha, Juca de Oliveira, Raul Cortez, Ítala Nandi, Dina Sfat, Carlos Vereza, Joel Barcellos, Francisco Milani, Stênio Garcia, Lima Duarte e José Wilker. Bráulio Pedroso e Benedito Ruy Barbosa, que iriam se consagrar posteriormente nas novelas televisivas, integram então o Partido.
Há ainda criadores do PCB atuando com brilho na arquitetura e nas artes plásticas de maneira geral. Além dos já citados Oscar Niemeyer, Di Cavalcanti, Portinari e Carlos Scliar, são comunistas Iberê Camargo, Renina Katz, Virgínia e Vilanova Artigas. Ficaria celebrizada a presença dos comunistas nas rádios Tupi, de São Paulo, e Nacional, no Rio de Janeiro.
O PCB se implanta também no mundo da ciência e os comunistas Luiz Hildebrando Pereira da Silva e Samuel Pessoa ajudam a elaborar uma política de pesquisa médica para o país, influindo de forma decisiva na criação da própria Fapesp, ainda hoje o principal organismo de apoio à pesquisa em todo o estado de São Paulo, o mais importante da Federação. A psicanalista Helena Besserman Vianna é membro do Partido. Ainda no campo da ciência aplicada, alinham-se entre os comunistas os jovens engenheiros Raymundo de Oliveira, Joel Teodósio, Ulrich Hoffmann e Sérgio Augusto de Moraes, figuras que teriam um papel importante nos embates democráticos entre nós. Fernando Santana, também engenheiro e um dos mais competentes deputados da história do parlamento brasileiro, por sinal, já havia aderido ao PCB em 1934.
Vale dizer, o Partido cresce visivelmente aos olhos dos intelectuais e artistas. Nei Lopes, futuro historiador e sambista de talento, integra, ainda na condição de estudante, as hostes juvenis do PCB, assim como Aspásia Camargo, que se destacaria depois como socióloga e militante da ecologia, Mariza Campos da Campos, bióloga e jornalista, a atriz e escritora Jalusa Barcellos, o futuro médico Jacob Klingerman, o futuro advogado e ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, o futuro engenheiro e escritor Ailton Benedito de Souza, o futuro animador do Movimento de Cultura Popular no Recife, Joacir de Castro, e Aléxis Stepanenko, futuro ministro do planejamento do Governo progressista de Itamar Franco.
É preciso reconhecer que os governos democráticos de Juscelino Kubistchek e João Goulart, com suas propostas reformadoras, fomentam as condições políticas mínimas para o alastramento da atividade cultural. Um comunista dos idos de 1935, o economista e teórico Ignacio Rangel, será um dos elaboradores, inclusive, do famoso Plano de Metas de JK. São os tempos de Brasília, com o comunista Oscar Niemeyer à frente. Do CPC da UNE, os comitês de cultura popular incentivados pelos estudantes e presidido pelo poeta Ferreira Gullar. Convém destacar ainda que, no plano do CPC, tiveram grande atuação na massa estudantil os comunistas Marcos Jaimovitch, Givaldo Siqueira e Zuleika Alambert. E são também os tempos do Comando dos Trabalhadores Intelectuais, que congrega nomes de primeira grandeza, a saber: o general e historiador Nelson Werneck Sodré — ligado ao Partido desde o final do Estado Novo, pelo menos —, o crítico progressista Álvaro Lins, o dramaturgo Dias Gomes e outros. Isso, para não aludirmos ao Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), incentivado pelo Ministério da Educação e Cultura, com forte presença comunista. Intelectuais da importância de Roland Corbusier, Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto participam de inúmeros debates e publicações, contribuindo para a criação de marcos ideológicos que iriam balizar a política do chamado desenvolvimentismo entre nós. Além disso, há um clima cada vez mais favorável às lutas por reformas e, mesmo, aos embates de corte mais propriamente revolucionário, como a resistência armada dos povos vietnamita e cubano e os próprios combates travados pelos movimentos de libertação na África.
Nessa fase, a produção intelectual pecebista tende a se tornar hegemônica, no sentido de que ela conduz, cada vez mais, o processo artístico-cultural.
* 1964-1968 — A ditadura militar instalada no país em 1º de abril de 1964 golpeia com todas as suas forças o mundo da cultura, além do mundo do trabalho material e as instituições democráticas do país. Criação intelectual, evidentemente, não é compatível com obscurantismo e perseguições políticas, como a falta de liberdades públicas. Nesse quadro, as relações do PCB com o ambiente da criação ficam abaladas, uma vez mais. Mesmo assim, o Partido se esforça para recompor as suas bases intelectuais e influir, por intermédio da cultura, para isolar o regime militar. Dessa maneira, jornalistas e intelectuais comunistas, entre os quais Luiz Mário Gazzaneo, Maurício Azêdo, Sérgio Cabral, Artur José Poerner, Anderson Campos e Leandro Konder lançam, no Rio de Janeiro, o jornal Folha da Semana, o primeiro periódico alternativo da era da ditadura.
São ainda expressões da resistência cultural dos comunistas o Teatro Opinião, comandado por Ferreira Gullar, Tereza Aragão, Oduvaldo Viana Filho e Armando Costa, no Rio de Janeiro; o Teatro de Arena, de São Paulo; a Revista Civilização Brasileira, da editora homônima, conduzida pelos comunistas Ênio Silveira e Moacyr Félix, no Rio de Janeiro. E até alguns livros simbolizam toda uma resistência coletiva, como o célebre Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País), do comunista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Isso, sem esquecer a música de protesto de João do Vale, um ex-pedreiro comunista originário do Maranhão, assim como diversos manifestos lançados contra a censura. No Pará, um intelectual da qualidade de Rui Barata passa a dirigir o Partido desde a clandestinidade. No Amazonas, José Maria Monteiro, então estudante de medicina, e Guto Rodrigues, músico, dirigem o partido local. Estudantes ainda, Juca Ferreira e Ana de Holanda, futuros ministros da Cultura dos governos Lula e Dilma, se aproximam por essa época do PCB, assim como os músicos Jards Macalé e Buru. Os irmãos Régis e Rogério Duprat já haviam aderido desde antes ao Partido. Nas redações dos grandes jornais e revistas — notadamente do eixo Rio-São Paulo —, os jornalistas comunistas travam uma luta renhida contra os censores. Milton Coelho da Graça, Elio Gaspari, Ivan Alves, Anivaldo Miranda, Carlos Alberto Caó de Oliveira, Jairo Régis, Fabiano Villanova, Maurício Azêdo (posteriormente presidente da Associação Brasileira de Imprensa), Sérgio Cabral, Célia Maria Ladeira (depois professora na UnB), Roberto Müller, Antonieta Santos, Alberto Rajão, Narceu de Almeida Filho, Heloneida Studart, Nilson Miranda, Ancelmo Góis e Milton Temer são alguns desses profissionais. Quase todos são presos. Em Minas Gerais, Roberto Drummond, também jornalista, é membro do Partido. Não se pode esquecer que a modernização profissional das redações criadas na grande imprensa brasileira foi, também, em boa parte, esforço dos comunistas.
* 1968-1978 — A fase mais dura do regime militar, que vive sob o império do Ato Institucional n. 5, carta de natureza facistoide, que suprime todas as liberdades democráticas. Um terço do Comitê Central do PCB é assassinado pelas forças repressivas. Seus corpos até hoje não apareceram. Barbaramente torturados, dirigentes como Hilário Pinha, Renato Guimarães, Moacyr Longo, Marco Antonio Coelho, Paulo Elisiário Nunes e Renato Oliveira da Motta conseguem sobreviver, cumprindo anos de cadeia. Sequestros, prisões, torturas e assassinatos dos opositores políticos atingem igualmente a esfera da cultura. Muitos criadores deixam o país. O PCB, além das perseguições que sofre, enfrenta, também, a crítica dos grupos radicais de esquerda, que fascinam determinados setores da intelectualidade e da massa estudantil. Um quadro intelectual da envergadura de Jacob Gorender, formado nas hostes partidárias desde o início dos anos 40, rompe com o PCB após o golpe. O mesmo poderíamos dizer de homens como Mário Alves e Joaquim Câmara Ferreira.
Apesar do contexto político desfavorável, o PCB busca incentivar algumas iniciativas democráticas no campo da cultura. Um dos fundadores do jornal Pasquim, em 1969, é o comunista Sérgio Cabral, que também cria o Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, ao lado de Moisés Fucks. O Casa Grande, como é conhecido, se revela uma fonte permanente de finanças para o Partido e, a partir de 1974-1975, abrigará toda uma série de debates sobre a realidade brasileira, reunindo a intelectualidade progressista de forma geral.
Mas o mar não está para peixe, como se diz. Muitos músicos ganham o caminho do exílio, a exemplo do comunista Carlos Lyra; porém, representantes da chamada MPB buscam manter acesa a chama no interior do país. Entre eles, artistas também ligados ao PCB — Rildo Hora, Sidney Miller (criador do projeto Pixinguinha), José Carlos Capinam (posteriormente secretário de estado de cultura da Bahia), Gonzaguinha, Paulinho da Viola, Tom Zé, Jorge Goulart e Nora Ney. O PCB mantém, por essa época, uma relação conflitante com os músicos do Tropicalismo, apesar de alguns deles pertencerem aos quadros do Partido e Caetano Veloso — filho de um comunista — e Gilberto Gil terem tido boa aproximação com os membros do CPC na Bahia. No campo da música de concerto, Camargo Guarnieri, José Siqueira e Cláudio Santoro, todos ligados ao Partido Comunista, procuram igualmente dar sua contribuição cultural e política. Mesmo um músico como João Gilberto, normalmente pouco afeito à participação política, recebe influência das ideias marxistas.
Também o teatro resiste: quando a ditadura proíbe a peça Abajur Lilás, do ex-estivador e dramaturgo comunista Plínio Marcos, todos os teatros da cidade de São Paulo fecham suas portas, em sinal de protesto. Uma ousadia, sem dúvida. O comunista Paulo Pontes escreveu, em parceria com Chico Buarque, a peça Gota d’Água, de grande sucesso. Atuando sobretudo na Bahia, o ator Bemvindo Sequeira também cumpre um importante papel na resistência cultural ao regime ditatorial, chegando a disputar a vereança pelo MDB com o apoio dos comunistas, então clandestinos. Bemvindo Sequeira teve, também, uma atuação importante nas batalhas da intersindical e na formação dos primeiros grupos que lutavam pela anistia. Os cineastas e diretores de fotografia também resistem, à sua maneira, como o então jovem fotógrafo Antonio Luiz Mendes Soares, que trabalha há tempos com Nelson Pereira dos Santos e, posteriormente, fotografaria com Sylvio Back. Espedito Rocha, um revolucionário profissional do Partido, torna-se artista plástico — e dos bons — ainda na cadeia. O comunista Roberto Pontual, respeitado crítico de arte, esforça-se para manter uma reflexão sobre os rumos da criação plástica.
Mas essa também é a fase marcada pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog e pelas torturas infligidas contra outros profissionais de imprensa, como João Aveline, futuro diretor de Voz da Unidade. E essa é ainda uma época em que jovens intelectuais, como Aloísio Teixeira, Gildo Marçal Brandão e Marco Aurélio Nogueira, dão o melhor dos seus esforços à reorganização do PCB em São Paulo, o principal reduto operário do país. Nicolau Sevcenko aproxima-se do PCB em meados dos anos 70, ainda na condição de estudante, em São Paulo. Em 1977, os comunistas — apesar de a organização partidária estar praticamente estraçalhada pela repressão política, sobretudo após a vitória eleitoral da oposição em 1974 — conseguem lançar uma revista teórica, Temas de Ciências Humanas, que circularia até 1981. Dela participariam Nelson Werneck Sodré e Renato Guimarães, este último o responsável pelo setor de educação no Comitê Central do PCB na década de 60 e parte da de 70 e um dos redatores da resolução do Congresso de 1967.
Ainda em 1977, graças em boa medida à intensa movimentação dos comunistas, quase três mil jornalistas de todo o país assinam o Manifesto da ABI contra a censura aos órgãos de comunicação. Durante parte da década de 70, trabalhando nos núcleos de criação da TV Globo, alguns membros do Partido Comunista Brasileiro logram criticar o obscurantismo do regime, valendo-se de novelas e seriados de grande audiência popular. Era um começo promissor de diálogo com a indústria cultural cada vez mais presente na vida nacional. A política do Partido se pauta pela ocupação das brechas, esquivando-se tanto de uma postura adesista quanto da adoção de um posicionamento com base em hipotéticas políticas conspiratórias ou de infiltração. Vale dizer, o que conta para o PCB é a negociação, por sua vez equidistante, no plano da política tout court, tanto da revolução clássica quanto da chamada conciliação. E, nisso, o Partido também se vale de uma especificidade do processo de transformação social do Brasil, no qual a via negociada tem um papel central.
Na própria direção nacional do PCB, há intelectuais orgânicos com capacidade de elaboração política e visão cultural mais ampla, entre os quais poder-se-ia citar Armênio Guedes, Salomão Malina, Moisés Vinhas, Givaldo Siqueira, Moacyr Longo, Marco Antônio Coelho, Marly Vianna e Anita Prestes, esta última hoje conceituada professora universitária e escritora. E não só: ainda da clandestinidade, dirigentes e militantes como Geraldo Rodrigues dos Santos e Abigail Páscoa ajudam a organizar o movimento negro e o combate ao racismo. O arquiteto Zulu Araújo desponta já em meados da década de 70 como uma das lideranças mais significativas do movimento negro na Bahia, participando da criação do grupo Olodum em 1979. Zulu Araújo presidiria mais tarde, por vários anos, a Fundação Palmares. Wellington Mangueira, respeitado militante e dirigente sergipano, também revela sensibilidade para a questão das relações raciais no país. A propósito das chamadas lutas étnicas, convém observar ainda que o Partido tampouco desconheceu, ao longo da sua existência, a enorme contribuição dos índios para a formação do que é o hoje o Brasil. Foram membros do PCB, afora Darcy Ribeiro, os antropólogos Eduardo Galvão, Carlos Moreira, Berta Ribeiro, Sylvia Carvalho e também o Dr. Noel Nutels e os indigenistas Chico e Apoena Meirelles, pai e filho.
Apesar de tudo e a duras penas, o Partido buscava manter sua influência junto à sociedade, no quadro de um combate desigual travado com a ditadura militar.
* 1978-1985 — Com o fim do AI-5, a decretação da Anistia e o retorno dos comunistas do exílio, o PCB tenta se rearticular. Reconhecendo a importância do mundo da comunicação, o Partido publica em 1980 um semanário, Voz da Unidade, o qual abre algum espaço para o debate cultural. O jornal é dirigido, em uma primeira fase, por João Aveline e, depois, por Luis Carlos Azêdo, oriundo do setor estudantil do Partido e um dos seus melhores intelectuais orgânicos até hoje, já no PPS. Um dos editores de cultura da Voz da Unidade é o respeitado escritor e professor universitário paulista Martin Cezar Feijó. Nesse mesmo ano, nasce a revista Presença, coordenada pelo veterano dirigente comunista Armênio Guedes, que exprime a chamada visão eurocomunista que se desenvolve dentro do PCB e conta com a participação, entre outros, de Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios, Gilvan Melo, Luiz Sérgio Henriques, Rubem Barboza Filho e Alberto Aggio. Dois anos antes, ressurgia das cinzas a Revista Civilização Brasileira, agora denominada Encontros com a Civilização Brasileira, também dirigida pela dupla Ênio Silveira e Moacyr Félix, comunistas. Ex-líderes egressos do movimento estudantil, como Carlos Alberto Muniz e Franklin Martins, assumem as propostas do Partido naquele momento.
Mas o PCB ainda não obtém a sua legalidade. Pior, até: encontra-se muito dividido. De um lado, existe o grupo que se articula em torno das posições defendidas por Luiz Carlos Prestes, partidário da formação de uma frente das esquerdas. O conceituado advogado Aldo Lins e Silva, membro do Comitê Central do Partido, o acompanha nesse posicionamento, assim como os históricos dirigentes comunistas Agliberto Vieira de Azevedo e Gregório Bezerra. De outro, há os chamados eurocomunistas, partidários da aplicação da rica experiência política de alguns partidos europeus à realidade brasileira, notadamente no que tange à valorização da questão democrática na ultrapassagemn do modo de produção capitalista, já percebida pelos comunistas nacionais em 1958. Acaba prevalecendo a linha política expressa por Giocondo Dias, mas a influência do PCB junto à intelectualidade já não é mais a mesma, decididamente.
Seguramente, a maneira como o PCB tratou da questão eurocomunista contribuiu para esse afastamento da intelectualidade do seio do Partido. Intelectuais históricos do PCB, com mais de vinte ou trinta anos de militância — Leandro Konder é um deles; Carlos Nelson Coutinho, outro; o médico David Capistrano Filho outro ainda —, pedem afastamento do Partido. Um jornalista da importância de Mauro Malin também se desliga nessa ocasião do PCB (ele fora um dos redatores, juntamente com Giocondo Dias e Leandro Konder, da resposta à “Carta aos Comunistas”, de Luiz Carlos Prestes). Zuleika Alambert, que sempre trabalhara com a juventude e se tornara a principal expressão feminina do partido, deixa igualmente a agremiação. Mesmo assim convém recordar que a ação inovadora de Zuleika Alambert deixaria marcas, igualmente: Irina Abigail, Almira Rodrigues, Sonia Francine e Teresa Vitale, expressões do feminismo no interior do PPS, sempre destacam o pioneirismo de sua atividade. Seja como for, enfraquecido, o PCB se defronta ainda com a forte presença do Partido dos Trabalhadores (PT) nos meios culturais, sobretudo na Academia. Marco Aurélio Nogueira e Gildo Marçal Brandão se afastam organicamente do Partido, mas mantêm inúmeros vínculos com a organização. Um importante quadro intelectual e formulador político, José Paulo Neto, permanece, contudo, nas fileiras partidárias naquele momento, assim como o economista alagoano Cícero Péricles.
Ironias da História: não se pode deixar de lembrar que, no exato momento histórico que o PCB afirma a vitória de sua linha política de massas sobre a ditadura militar, esse mesmo partido começa igualmente a declinar.
* 1985-1992 — O PCB obtém a sua legalidade somente em 1985, após o fim do regime militar, quando outras agremiações de e squerda já se encontravam legalizadas, como o PT e o PDT. O Partido tenta reconstruir as pontes com o movimento cultural de maneira geral. O médico comunista Sérgio Arouca assume a presidência da Fiocruz. O veterano jornalista comunista Ivan Alves torna-se o Diretor de Jornalismo da TVE, a única televisão educativa que ainda depende do governo federal (as demais são estadualizadas). Horácio Macedo passa a ser o reitor da UFRJ, eleito por seus pares. São espaços que os comunistas voltam a ocupar na sociedade. Um poeta libertário como Paulo Leminsky assume a sua plena condição de comunista. Um ensaísta da qualidade de Ivan Ribeiro Filho confirma a sua permanência no Partido. Advogados prestigiosos, defensores dos direitos humanos, como Marcelo Cerqueira, Humberto Jansen, Modesto da Silveira e Flora Strozenberg também renovam ou mantêm suas ligações antigas com o Partido, que sempre manteve em seus quadros advogados brilhantes, como Calheiros Bonfim, Sinval Palmeira e Herman Baeta.
Em 1986, o PCB decide lançar a revista Novos Rumos, de caráter mais teórico. Dirigida pelo veterano antifascista Noé Gertel, a publicação visa ampliar a inserção do PCB na intelectualidade. Aos poucos, os contatos com o mundo do samba vão sendo retomados. Lícia Canindé, a Ruça, vereadora comunista pelo Rio de Janeiro, passa a presidir a escola de samba de Vila Isabel, ganhando o carnaval de 1988, em memorável desfile que homenageia Zumbi dos Palmares no centenário da Abolição, justamente. Noca da Portela, sambista dos mais respeitados, integra oficialmente o partido. Monarco, outro portelense histórico, comparece a inúmeros atos promovidos pelo Partido — lembrando sempre que sua prima, Zélia Magalhães, tinha sido assassinada em um comício do Partido, durante o Governo Dutra, em 1946. Um compositor da qualidade de Almir Sater comparece a espetáculos promovidos pelo Partido no Mato Grosso do Sul. Criadores como os cineastas Sílvio Tendler e João Batista de Andrade e os pintores Siron Franco, Waldomiro de Deus e Aparecida Azêdo tomam o mesmo rumo. Um economista da qualidade de Raul de Mattos Paixão, autor de uma tese importante que considera a inflação um instrumento de transferência de renda do salário para o capital, em uma fase em que ela recrudescia, renova seus vínculos partidários. Zelito Vianna e Vera de Paula permanecem estreitamente ligados ao Partido, ainda que sem vínculos orgânicos, propriamente. O rumo do PCB seria também aquele do ator Stepan Nercessian e da atriz Beth Mendes.
Mas — é preciso que se reconheça — o PCB representa um modelo internacionalmente esgotado — o chamado socialismo real —, e os estudantes e a nova intelectualidade progressista não se sentem mais nem um pouco atraídos. Apesar dos esforços de alguns reformadores — à frente dos quais o próprio secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev —, o socialismo real se extingue em 1991, com o fim da União Soviética. E esse fato não poderia deixar de abalar profundamente o Partido, ligado desde os seus primórdios à Revolução Russa de 1917. Em 1992, o PCB decide mudar de nome e de política, sobretudo, e passa a se chamar Partido Popular Socialista, PPS.
* 1992-2011 — Ao perceber a importância fundamental da democracia (o Partido se pronuncia pela chamada radicalidade democrática, a ampliação contínua dos espaços de ação e expressão populares) e o alcance da revolução técnico-científica em curso no mundo, o PPS vai se posicionando como uma organização que almeja reunir condições de atrair e influenciar com sua política aqueles que atuam na área da cultura e da ciência. Trata-se, na passagem do PCB para o PPS, de uma ruptura com determinadas práticas organizativas do velho Partidão, para além de uma mudança de concepção de mundo. Ademais, o Partido percebe que há novos atores sociais em cena. E espaços políticos novos, igualmente. Afinal, a chamada sociedade do conhecimento, o capitalismo cognitivo começava a mostrar a sua cara, revelando o grande papel que a intelectualidade e os criadores possuem no processo de mudança social, deslocando as fronteiras da classe operária tradicional. O trabalho imaterial como que ganha materialidade.
Apesar disso não se traduzir em fortalecimento imediato do Partido, homens como o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, os jornalistas José Hamilton Ribeiro e Andrei Bastos, o antropólogo Mércio Gomes, o influente líder indígena Marcos Terena, o poeta Wally Salomão, o filósofo Luiz Sérgio Coelho Sampaio (esses dois últimos prematuramente falecidos) juntaram-se nesses últimos anos ao PPS, agremiação presidida por um respeitado quadro da área parlamentar, Roberto Freire.
Nas artes plásticas, Rubens Gerschman, um nome de peso, colabora com o Partido. Delcio Marinho, diretor de teatro carioca e sobrinho-neto de Astrojildo Pereira, retoma suas ligações com a frente cultural partidária. Luiz Carlos Prestes Filho, estudioso e pioneiro no exame das chamadas indústrias criativas entre nós, também mantém relações muito amistosas como aparato cultural do Partido. Esportistas como o velejador Lars Grael, o ex-goleiro do Corinthians Ronaldo e o ídolo do Palmeiras Ademir da Guia aderem ao PPS, assim como a ex-jogadora de voleibol, pentacampeã pelo Flamengo e sobrinha de Astrojildo Pereira, Norma Dias, e o técnico de futebol Vanderley Luxemburgo. A esportista Georgette Vidor ingressa igualmente no Partido, sagrando-se, inclusive, deputada estadual pela legenda do PPS. Igualmente deputado estadual pelo PPS, Comte Bittencourt enriquece a visão partidária sobre a questão educacional.
Um passo importante no sentido da integração com a esfera da cultura se deu ainda com a criação da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), instituída pelo Partido em 2001. A FAP cumpre a função de um comitê cultural moderno. Intelectuais, jornalistas e artistas conceituados integram esse órgão. E o conselho editorial da sua revista, Política Democrática, reúne alguns nomes expressivos. Eis alguns deles: o poeta Ferreira Gullar, o documentarista Vladimir Carvalho, o cientista político Luiz Werneck Vianna, o economista Sérgio Besserman Vianna, o sociólogo Raimundo Santos, o professor Paulo Bonavides, a física Dina Lida Kinoshita, o advogado Raulino de Oliveira, o parlamentar e ex-ministro Raul Jungman, o professor Amílcar Baiardi, o economista Raul de Mattos Paixão Filho (já falecido), o professor e geólogo George Gurgel, o sociólogo Luiz Eduardo Soares, o ensaísta e tradutor Luiz Sérgio Henriques, o crítico e historiador musical Ricardo Cravo Albin, o professor Marco Aurélio Nogueira, a poetisa Graziela Melo, a socióloga Cleia Schiavo, o jornalista Luiz Carlos Azêdo, o sociólogo Augusto de Franco, o historiador Alberto Aggio, a historiadora Maria do Socorro Ferraz, o historiador Ricardo Maranhão, o professor e ex-secretário de estado Fausto Mato Grosso.
A revista Política Democrática — editada por Marco Antônio Coelho, ex-deputado comunista, pelo sociólogo da UNB Caetano Araújo e pelo jornalista Francisco Inácio de Almeida — vem desempenhando um papel semelhante àquele da revista Estudos Sociais nos anos 50 e 60, tornando-se um instrumento central para o diálogo do Partido com o mundo do conhecimento e a sociedade em geral. O mundo do futuro. E é interessante observar que, desde seu primeiro número, no ano 2001, Política Democrática estampa em sua capa um grande artista nacional, divulgando assim importante parcela da nossa produção plástica, de Oscar Niemeyer a Candido Portinari, passando por Aparecida Azêdo, Waldomiro de Deus e João Câmara Filho.
Sintomaticamente, o primeiro secretário do PPS, Francisco Inácio de Almeida, um dirigente forjado nos duros tempos da luta clandestina e um de seus mais preparados intelectuais orgânicos, é hoje um dos principais organizadores da FAP — o que, por si só, traduz a importância que o PPS dedica à questão do conhecimento e da cultura. Um projeto importante da FAP, e que merece ser mencionado aqui, implica o resgate do passado promovido pela série “Brasileiros e Militantes”, que, em 2011, já editara cerca de 30 documentários, a partir de depoimentos de figuras relevantes da vida do PCB-PPS e do próprio Brasil, como Oscar Niemeyer, Leandro Konder, Ferreira Gullar, Armênio Guedes, Severino Teodoro de Mello, Moacyr Longo, Joel Rufino dos Santos, Antônio Ribeiro Granja, Sérgio Cabral, Bemvindo Sequeira e tantos outros.
É possível concluir que o PPS tem por um de seus objetivos se apoiar nesse rico passado na tentativa de oferecer ao país um projeto cultural consistente. Refazer a utopia, em síntese. Sem tal projeto, não há construção (ou reconstrução, melhor dizendo) possível de qualquer saída política para o Brasil, a nosso juízo.
Seja como for, o fato é que, em meados de 2005, o Partido organizou, em conjunto com a FAP, no Rio de Janeiro, mais exatamente no Museu da República, um seminário nacional para contribuir para a elaboração de uma política cultural para o país na passagem para o terceiro milênio. E o PPS ainda organizou, em julho de 2007, sempre em parceria com a FAP, uma Conferência Nacional Caio Prado Júnior para debater com a intelectualidade, sobretudo, os novos rumos da esquerda brasileira. Realizada no ano seguinte, a Conferência deverá começar a publicar seus anais completos até 2012. São vários volumes, com textos de alguns dos intelectuais e homens públicos mais brilhantes do país, como Ferreira Gullar, Roberto Freire, Fernando Gabeira, José de Souza Martins, Luiz Werneck Vianna, Rui Fausto e César Benjamim. O Partido faz questão de deixar claro que os próprios intelectuais e artistas é que definirão os caminhos da cultura entre nós.
E não poderá ser com outro espírito que o Partido e sua Fundação enfrentarão as próximas batalhas políticas e embates eleitorais, quando pretendem influir de maneira significativa para a construção de um novo bloco de forças para mudar de fato o Brasil, em plena transição para a sociedade do conhecimento, onde a criatividade desponta como verdadeiro meio de produção.
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Ivan Alves Filho, historiador, escreveu, entre outros livros, Memorial dos Palmares, Brasil, 500 anos em documentos e Giocondo Dias, uma vida na clandestinidade. Atualmente, é editor do site da Fundação Astrojildo Pereira, dirigindo a série visual “Brasileiros e Militantes”. É membro do Diretório nacional do PPS.
deu no site http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1417
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.
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