Fonte: O Globo 04/01/2012
O lado família do 'Cavaleiro da Esperança'
Viúva de Luiz Carlos Prestes doa acervo pessoal do líder comunista ao Arquivo Nacional
Chico Otavio
Os manifestos políticos, as denúncias contra a ditadura e as análises da conjuntura social estão todas lá, mas o personagem que surge do acervo pessoal de Luiz Carlos Prestes, doado ontem pela família ao Arquivo Nacional, não é apenas um líder comunista cuja história quase se confunde com a da esquerda brasileira no século XX. Um conjunto de cartas trocadas com os filhos nos anos 1970, além de fotos na intimidade doméstica, revela também um chefe de família carinhoso e preocupado. Mostra que, apesar de tantas lutas, o "Cavaleiro da Esperança" teve tempo para cuidar de casa.
O acervo, composto por 27 pastas de documentos e dez álbuns de fotografias, foi entregue ao Arquivo pela viúva, Maria Prestes, no dia do aniversário do líder comunista (1898-1990). Como a família viveu dez anos de exílio em Moscou, Prestes expressava nas cartas o desejo de que os filhos se esforçassem para aprender bem o português. Uma das fotos doadas, divulgada pelo jornalista Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO, exibe o líder descansando, de sunga, na Praia do Futuro, no Ceará, em 1989.
A foto e a doação do acervo geraram atrito entre Maria Prestes e a filha mais velha do líder, Anita Leocádia, fruto da relação de Prestes com a dirigente comunista alemã Olga Benário, morta em campo de concentração nazista em 1942. Em carta enviada à "Revista de História da Biblioteca Nacional", que divulgou a imagem em reportagem sobre o acervo, Anita queixou-se:
- A publicação de foto do meu pai na praia, com roupa de banho, constitui um desrespeito à sua memória e à sua vontade, pois todos que com ele conviveram sabem que Prestes jamais concordaria com tal divulgação. Era um homem sóbrio, que não admitia confundir a vida privada com a atuação pública. A publicação revela o empenho da grande imprensa de banalizar a imagem de um revolucionário.
Maria Prestes, que teve oito filhos com Prestes (outros dois, de uma união anterior, foram criados pelo líder comunista), reagiu à crítica:
- Desrespeito é imaginar que toda a sua vida ele andou de gravata. Ora, Prestes foi pai dedicado e avô carinhoso. Ele andava, sim, de sunga, camiseta, pijama e adorava arrastar seu chinelo. Acontece que Anita nunca viveu com o pai na intimidade. É um espanto para ela ver Prestes de carne e osso. Claro! Este, ela não conheceu!
Entre os documentos, encontram-se correspondências trocadas com amigos e líderes políticos; relatórios de reuniões políticas; comentários e transcrições feitas por Prestes a partir da leitura de livros e jornais. Outro destaque é o Relatório da IV Reunião Anual do "Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil", de 1976, que lista os nomes de 233 supostos torturadores.
- Não acho que contenha uma revelação, mas é um registro histórico sobre o trabalho de meu pai no exílio para denunciar os abusos do regime - disse Luiz Carlos Prestes Filho, presente à cerimônia.
O lado familiar de Prestes não ficou apenas nos documentos. Maria Prestes estava cercada de parentes, incluindo uma neta e uma bisneta, ambas de 3 anos, quando assinou o ato de doação.
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