Ao contrário de outros países, a Comissão da Verdade não poderá, lamentavelmente, punir ou perseguir judicialmente os agentes do Estado, cujos salários eram pagos pelo contribuinte e que praticaram tais crimes hediondos contra a humanidade.Ofício nº 01/2011 Assunto: Cadê o Thomazinho? Senhores Membros da Comissão da Verdade,
Saudações,
Daqui, das páginas do DIÁRIO DO AMAZONAS, escrevo-lhes para solicitar que esclareçam o paradeiro de Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto, o único amazonense incluído na lista oficial de desaparecidos na ditadura militar. Sei que a Comissão não foi constituída, que seus integrantes sequer foram escolhidos, que sua estrutura ainda será votada no Senado, nos próximos dias. Se me antecipo, é apenas para garantir um lugar na fila. É que são centenas de desaparecidos, e apenas sete os membros da Comissão que, entre outras tarefas, terá de descobrir, no prazo de dois anos, o que aconteceu.
Assim, quando a presidente Dilma indicar os nomes, a Comissão já encontrará sobre sua mesa este ofício, contendo dados que podem facilitar vosso árduo trabalho. Anotem: Thomazinho nasceu em 1º de julho de 1937, em Parintins. Mudou para Manaus em 1950, onde estudou no Colégio Estadual do Amazonas. Viajou para o Rio de Janeiro, em 1958. Foi eleito secretário-geral da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) em 1961. Ouçam o depoimento do titiriteiro Euclides Souza, que hoje vive no Paraná e com ele conviveu naquela época:
“Viajei com Meirelles por todo o Brasil na UNE-volante, ele representava a União Nacional dos Estudantes e eu o CPC- Centro Popular de Cultura. Como nós dois éramos caboclos e comunistas, ficávamos sempre no mesmo quarto e passávamos as noites discutindo cultura popular e socialismo”.
Foi aí que Thomazinho ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade Lomonosov, em Moscou. Lá, casou com Miriam Marreiro, uma amazonense que estudava Direito na Universidade Patrício Lumumba. Com ela teve dois filhos: Larissa, nascida na Rússia, em 1963, e Togo, no Brasil, para onde o casal voltou depois do golpe militar de 1964.
Acontece que quando Thomazinho saiu do Brasil, quem governava o País era um presidente eleito democraticamente pelo voto popular.
Quando voltou, a situação era outra. Os militares, descumprindo o juramento que fizeram de obedecer às leis vigentes, haviam rasgado a Constituição e ocupado o poder pela força, instaurando uma ditadura militar. Thomaz e outros companheiros deram, então, combate à ditadura. Quem estava na ilegalidade eram os militares e não os que contra eles lutavam.
Por causa de sua luta, Thomazinho foi preso e torturado. Saiu da prisão, todo quebrado. “Meu filho estava bastante machucado, tinha muitas marcas no corpo” – revelou sua mãe, dona Maria, que conversou com ele em fevereiro de 1973, num “ponto” em Copacabana. Essa foi a última vez que o viu. Ele permaneceu na clandestinidade até ser preso outra vez no dia 7 de maio de 1974.
Senhores, de acordo com o projeto aprovado nesta semana pela Câmara de Deputados, a Comissão da Verdade poderá colher testemunhos, receber documentação com garantia de anonimato e requisitar informações de órgãos públicos, mesmo aquelas classificadas como sigilosas. Requisitem, portanto, documentos do Arquivo do Dops/SP, onde está registrada a prisão de Thomazinho, efetuada quando viajava do Rio para São Paulo.
Busquem, senhores membros da Comissão da Verdade, o Relatório do Ministério da Marinha, que confirma a prisão de Thomazinho. Chequem a notícia publicada pelo Correio da Manhã (03/08/79) que revelou uma lista com 14 mortos, entre os quais está o nome de Thomaz Meirelles, cujo corpo até hoje não foi localizado. Identifiquem e convoquem, para serem ouvidos, aqueles que violaram os direitos humanos, torturaram e mataram presos que estavam sob a guarda do Estado.
Ao contrário de outros países, a Comissão da Verdade não poderá, lamentavelmente, punir ou perseguir judicialmente os agentes do Estado, cujos salários eram pagos pelo contribuinte e que praticaram tais crimes hediondos contra a humanidade. Mesmo assim, senhores, descubram os nomes dos assassinos de Thomazinho, localizem seu túmulo para que possamos ir lá depositar uma flor e fazer uma oração, como queria sua mãe, que morreu sem qualquer informação sobre o seu paradeiro.
Nem mesmo o sistema ditatorial mais cruel da história da humanidade aprovou uma lei determinando a ocultação de cadáveres. A família e os amigos dos desaparecidos têm o direito de saber o que aconteceu com eles, da mesma forma que a sociedade brasileira tem o direito de conhecer a história e de construir uma narrativa sobre ela, para evitar que tais crimes sejam cometidos outra vez. Foi o que foi feito na Argentina, no Chile, no Peru. Só dessa forma Thomazinho e tantos outros “desaparecidos” poderão descansar em paz.
Se for possível, senhores membros da Comissão da Verdade, levantem também os nomes dos índios Waimiri-Atroari, Krenhakore, Kané, Surui, Cinta Larga e tantos outros que foram assassinados porque se opunham aos projetos de exploração econômica da ditadura militar.
Extraído do site http://blogs.d24am.com/artigos/2011/09/25/carta-aberta-a-comissao/
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