Por Túlio Velho Barreto
No dia 1o de abril, o Golpe Civil-Militar de 1964, que destituiu e exilou o governador Miguel Arraes e o presidente João ‘Jango’ Goulart, completa hoje exatos 44 anos. Mas, infelizmente, muitas histórias relacionadas ao regime militar (1964-85), sobretudo aos ‘anos de chumbo’, ainda são desconhecidas, apesar dos esforços de muitos para que o governo Lula abra os arquivos oficiais sobre o período. E das inúmeras promessas dos presidentes desde o retorno à democracia: Collor, Itamar, FHC e Lula, em especial dos dois últimos, que tiveram condições mais favoráveis e, por suas trajetórias pessoais, legitimidade para tanto.
Assim, um dos episódios mais terríveis do período continua encoberto sob espessas e inertes nuvens. Refiro-me à Operação Condor, a aliança firmada entre militares do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia destinada a monitorar, perseguir e, eventualmente, eliminar as principais lideranças oposicionistas às ditaduras na América do Sul. Tudo sob a benção dos EUA e o pretexto do combate ao terrorismo na região. Tratava-se de cooperação entre as forças de repressão daqueles países para eliminar as lideranças que, em um eventual retorno à democracia, pudessem reassumir seus mandatos e comandar rigorosa apuração sobre crimes cometidos pelos militares.
A Operação Condor funcionou ativamente na segunda metade da década de 1970, época em que Miguel Arraes, exilado na Argélia, foi informado pelo governo local sobre a ação. Apesar da relevância dos acontecimentos que se sucederam, só nos últimos anos de vida, o ex-governador falou sobre o tema. Em suas duas últimas longas entrevistas, ambas sobre as origens e conseqüências do Golpe de 1964, concedidas para dois projetos da Fundação Joaquim Nabuco em parceria com o Jornal do Commercio, Arraes deu detalhes de como tudo ocorreu. As entrevistas fazem parte do livro A Nova República – Visões da Redemocratização (CEPE, 2006), escrito em colaboração com os jornalistas Sérgio Montenegro Filho e Paulo Sérgio Scarpa.
Na ocasião, Arraes rememorou encontros com interlocutores do coronel argelino Sulleiman Hoffman, assessor para assuntos internacionais do presidente Houari Boumedienne, ocorridos no início de 1976. É Arraes mesmo quem conta o que ouvi deles: “Havia uma decisão da linha dura de assassinar todos aqueles que tinham certa influência em seus países. Porque eles estariam prevendo um recuo do processo de militarização. Mas, para recuar, precisariam aniquilar esses homens, que tinham influência, para poder ter controle sobre o processo mais aberto”. E foi orientado para avisar aos exilados brasileiros. Pouco tempo depois, lembrou, foram assassinados o senador Zelmar Michelini e o deputado Héctor Gutiérrez Ruiz, ambos uruguaios (maio); o presidente deposto da Bolívia, o general Juan José Torres (junho); e o ex-embaixador do Chile nos EUA, Orlando Letelier (setembro).
Através de emissários, Arraes informou a Leonel Brizola, que cambiou o Uruguai, onde estava exilado desde 1964, pelos EUA, e encontrou-se pessoalmente com o ex-presidente Jango, em Zurique, na Suíça. Jango, que permaneceu no Uruguai, morreria em dezembro de 1976, apenas quatro meses depois da morte do ex-presidente JK. Já Carlos Lacerda morreria em maio de 1977, ano em que quase todo o Comitê Central do PCB foi dizimado. “Eu não posso dizer que Juscelino não morreu num acidente, que a morte de Goulart não foi natural, ou mesmo a de Carlos Lacerda. O que eu posso dizer é que eles estavam condenados à morte. A condenação estava feita e foi comunicada. Então, eu não posso entender como três homens importantes no Brasil, cada um à sua maneira, morreram numa sucessão de meses…”, concluiu Arraes. É relevante destacar que, em 1966, JK (PSD) e Jango (PTB), as maiores lideranças de seus extintos partidos, tinham sido procurados pelo inimigo comum Carlos Lacerda, maior liderança da UDN, para constituir a Frente Ampla – de vida curta – contra o regime militar.
Hoje, apenas a insistência do governo Lula em não abrir os arquivos da ditadura – ou, pelo menos, o que dele restou – faz a tese de Arraes parecer conspiratória. Aliás, o ex-ministro de três dos cinco governos militares, o coronel reformado Jarbas Passarinho, confirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo, em janeiro deste ano, a existência da Operação Condor. E, como mostrou Elio Gaspari, em A Ditadura Derrotada (pág. 324), em 1974, o general-presidente Ernesto Geisel já considerava legítimo matar opositores. Agora, juízes italianos e espanhóis mostram-se dispostos a investigar brasileiros envolvidos na operação. E o espião uruguaio responsável por vigiar Jango foi localizado e preso. Tais fatos deveriam ser suficientes para que o governo Lula saldasse uma enorme dívida do Estado brasileiro com a cidadania: o direito à verdade.
* Tulio Velho Barreto é cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto é um dos organizadores de Na Trilha do Golpe – 1964 Revistado (Massangana, 2004) e um dos autores de A Nova República – Visões da Redemocratização (CEPE, 2006), dentre outros.
extraído do blog http://acertodecontas.blog.br/artigos/o-golpe-de-1964-e-a-operao-condor/
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